Edição Extra #3
As veias não tão abertas da América Latina: tentativa de golpe de Estado na Bolívia
Aconteceu de novo: menos de cinco anos após o golpe que derrubou o então presidente Evo Morales, no final de 2019, o que era pra ser mais uma quarta-feira qualquer acendeu os alertas do cenário latino-americano com as aterradoras imagens do exército boliviano invadindo o palácio do governo na tarde de hoje, dia 26. Tentaremos abaixo resumir o que aconteceu:
Antecedentes
Para quem não se lembra, em 10 de novembro de 2019, após vencer as eleições de 20 de outubro, o presidente Evo Morales renunciou devido à intensa pressão para que convocasse novas eleições, pois de acordo com a OEA (Organização dos Estados Americanos), o pleito havia sido fraudado. Evo alterou a legislação eleitoral em 2017 para poder concorrer a um quarto mandato e venceu as eleições. Logo após a queda de Morales, o presidente do Comitê Cívico do Departamento de Estado de Santa Cruz, Luís Fernando Camacho, foi um dos invasores que apareceu em imagens com uma bíblia dentro do palácio presidencial de Quemado, apoiando a então vice-presidente do Senado, Jeanine Añez. Um estudo posterior apontou que a análise da OEA sobre a suposta fraude estava incorreta.
Um ano depois, em 2020, aconteceram as novas eleições: Evo Morales anunciou que não concorreria se lhe fosse permitido voltar ao país (ele havia se exilado na Argentina durante os violentos protestos que levaram a sua destituição), e assim o seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo), lançou como candidato o ex-ministro da Economia de Evo, Luís Arce. Jeanine Añez desistiu de concorrer; Camacho disputou as eleições pela coalizão de direita Acreditamos. Os resultados foram uma lavada para os opositores: Arce venceu com 55% dos votos, contra 28% do candidato de centro Carlos Mesa (que havia feito 36% na eleição do ano anterior) e somente 14% de Camacho. Com um resultado tão expressivo, Mesa logo reconheceu a derrota, e os países vizinhos parabenizaram Arce pela vitória, eliminando qualquer dúvida de fraude eleitoral. Luís Arce foi empossado presidente em 08 de Novembro de 2020.
A Tentativa de Golpe
Corta para 2023. Jeanine Añez, presa escondida dentro de uma cama box em 2021, foi condenada a dez anos de pena por terrorismo, conspiração e sedição. Luís Arce rompeu com Evo Morales, que passou a discordar de suas políticas de governo, e o ex-presidente ensaiou disputar prévias contra Arce para buscar um novo mandato pelo MAS. O Tribunal Constitucional Plurinacional desqualificou Evo para participar das próximas eleições, previstas para o ano de 2025. Enfrentando uma séria crise de abastecimento de combustíveis, (Luís Arce informou que hoje a Bolívia importa 56% da gasolina e 86% do Diesel que consome), o presidente resolveu militarizar o sistema de distribuição para evitar que houvesse contrabando.
Foi aí que a coisa desandou: o comandante do exército, Juan José Zuniga, declarou em uma entrevista televisionada nesta terça (25) que Evo Morales era uma ameaça ao país e que não permitiria uma nova tentativa eleitoral do ex-presidente. Após as ameaças, Luís Arce demitiu o comandante, e Evo Morales veio a público no X (ex-twitter) afirmar que as declarações anteviam o risco de um “autogolpe”.
O alerta de Morales não era infundado. Na tarde desta quarta, um grupo de militares munidos de um tanque blindado começou a realizar protestos nas ruas de La Paz, marchando pelas ruas da cidade. Os militares arrombaram as portas do palácio do governo, e Zuñiga declarou em frente às câmeras de tv que “o momento era de instalação de um novo gabinete de governo, com trocas nos ministérios e a libertação de “presos políticos”, como a ex-presidente Jeanine Añez. Em um dos momentos mais tensos do protesto, Luís Arce colocou-se à frente do general e ordenou que as tropas fossem desmobilizadas e se retirassem do palácio.
Zuñiga ainda afirmou que “obedeceria a constituição e o presidente “por enquanto” e ainda afirmou que o presidente provou a operação para “aumentar sua popularidade”. As autoridades emitiram um alerta de prisão contra Zuñiga e Luís Arce foi a público pela tv, junto do vice-presidente David Choquehuanca, para acalmar os ânimos da população. Um novo comandante do exército foi nomeado, José Wilson Sanchez, que ordenou o regresso das tropas aos quartéis.
Enquanto isso, autoridades e políticos de diversos países manifestaram-se contra a quartelada e expressaram profunda preocupação com os acontecimentos: Lula, Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Luís Lacalle-Pou (Uruguai), Andrés-Manuel López-Obrador (México) e a presidente eleita Claudia Schembaum; Santiago Peña (Paraguai), Diana Mondino (ministra das Relações Exteriores da Argentina), o opositor Carlos Mesa e curiosamente… Luís Fernando Camacho e Jeanine Añez.
E agora?
Por se tratar de um acontecimento MUITO recente, todo o desenrolar dos acontecimentos ainda está em desenvolvimento. Apesar das coincidências que abrem espaço para muitas especulações (a Bolívia recentemente anunciou a descoberta de novas reservas de lítio), nada comprova que de fato a tentativa de golpe esteja diretamente associada a estes fatores.
As novidades sobre este caso serão noticiadas nas edições futuras.
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Até a próxima semana!
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Lipes
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