Dois temas de grande relevância para a cena política voltaram a ser pauta de discussão nesta semana: as delações premiadas do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, e a de Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco, em 2018.
Por que são importantes?
A delação de Lessa ajuda a elucidar as motivações e identidade dos mandantes do crime, que completou 6 anos sem solução. Já Mauro Cid complicou-se após o vazamento de um áudio que descumpre o acordo de delação com a PF, fazendo com que ele fosse preso novamente nesta sexta (22). Entenda o desenrolar dos dois casos:
O caso Marielle:
A novidade na investigação do caso ocorreu na coletiva de imprensa do ministro da Justiça Ricardo Lewandowski, onde ele disse que a delação será homologada pelo Supremo Tribunal Federal pois nomes envolvidos na delação - ainda não oficialmente divulgados - são os de pessoas com foro privilegiado, cujas implicações jurídicas devem ser analisadas pelo STF.
A investigação da polícia federal começou em 2023, por determinação do ex-ministro da justiça Flávio Dino, e identificou diversas obstruções nas investigações realizadas até então. Após um acordo entre o Ministério Público do RJ e a Polícia Federal, acertou-se um trabalho em conjunto das equipes, evitando a federalização oficial do caso. A nova equipe começou a desvendar novas informações, fazendo com que o acusado de dirigir o carro da emboscada, Élcio de Queiroz, fizesse uma delação apontando Lessa como o atirador. Presos desde 2019, Lessa e Queiroz foram submetidos ao RDD (regime disciplinar diferenciado), onde ficaram isolados de possíveis cúmplices e redes de proteção. Mesmo assim, ambos continuavam a negar os fatos descobertos. O tempo de isolamento fez com que Élcio de Queiroz finalmente aceitasse fazer uma delação, onde ele admitiu ser o motorista do carro e apontou Lessa como o autor dos disparos.
Pressionado, Lessa decidiu então fazer um acordo de delação, fato que omitiu até de sua família, pois temia ameaças. Os advogados de Lessa deixaram sua defesa após a divulgação da notícia, pois o escritório alegou que não defendia delatores. Apesar da delação de Lessa ainda estar em segredo de justiça, algumas informações apuradas já dão uma prévia do que pode ter acontecido. Vale lembrar que os nomes citados a partir daqui não foram formalmente acusados e nem oficialmente citados na delação, tendo sido eventualmente citados em algum momento do vai e vém das investigações ocorridas desde 2018;
Os rumores apontam como motivação do crime a atuação de Marielle Franco no combate à especulação imobiliária e grilagem de terras em áreas dominadas pela milícia carioca. Marielle defendeu que a ocupação de territórios por pessoas de baixa renda fosse acompanhada por órgãos oficiais como o ITERJ e o Núcleo de Terra e Habitação da Defensoria Pública do RJ.
Em 2019, a PGR apontou como principais suspeitos dois membros da família Brazão, o deputado federal Chiquinho Brazão (UNIÃO-RJ) e seu irmão Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do RJ.
A PGR não indiciou os irmãos na época, apesar da família Brazão ter sido apontada por ter relações com a milícia no relatório da CPI das Milícias em 2008. De acordo com o relatório, Domingos realizou campanha com apoio de milicianos na região de Rio das Pedras, enquanto Chiquinho atuou em parceria com milicianos nos bairros de Campinho e Santa Cruz. A milícia de Rio das Pedras tinha integrantes membros do chamado “Escritório do Crime”, grupo de matadores profissionais que tinha entre seus integrantes o próprio Ronnie Lessa.
A falsa investigação que buscou tumultuar o desvendar do caso trouxe como primeiros acusados o miliciano Orlando Curicica e o ex-vereador Marcelo Siciliano. O vereador é rival político da família Brazão.
Apesar disso, apenas com a divulgação oficial dos detalhes da delação todos os fatos apurados poderão ser de fato validados. Ainda de acordo com o ministro Lewandowski, o caso está “95% concluído”. A aguardar os próximos capítulos.
O caso Mauro Cid
Mauro Cid, tenente-coronel do exército e ex-ajudante de ordens do governo de Jair Bolsonaro, havia fechado delação premiada em setembro de 2023 por conta dos inquéritos que atribuíam sua participação no esquema de fraude no cartão de vacinação de Bolsonaro e na venda de jóias que faziam parte do acervo presidencial para o exterior. A delação de Cid acabou expondo muitos outros pontos, sendo o crucial a participação de Bolsonaro e membros de seu governo no roteiro do suposto golpe de Estado que estaria sendo tramado após a derrota do ex-presidente nas eleições de outubro de 2022.
De acordo com Cid, Bolsonaro e seus aliados reuniram-se diversas vezes com auxiliares e chefes das forças armadas buscando a formulação de um decreto prevendo o estado de sítio e a prisão de ministros do STF, baseados em uma interpretação do artigo 142 da Constituição Federal. Suas revelações permitiram que ele ficasse em liberdade, contanto que cumprisse as medidas cautelares impostas a investigados que fecham acordos de delação.
No entanto, a revista Veja teve acesso a áudios onde Mauro Cid revela a um interlocutor, ainda não identificado, detalhes de como foi o processo de delação, critica a polícia federal e o próprio ministro Alexandre de Moraes. Nos áudios, ele questiona a conduta da PF, diz que foi pressionado a dizer coisas que não sabia e que a operação já tinha uma “narrativa pronta” antes de ouví-lo.
Após a divulgação dos áudios, Mauro Cid foi intimado a prestar esclarecimentos sobre sua conduta. Em depoimento dado nesta sexta (22), ele negou ter sido coagido e admitiu que os áudios foram enviados em um momento de fragilidade e desabafo, porém recusou-se a dizer o nome da pessoa para quem enviou as mensagens.
Apesar disto, a PF entendeu que o tenente-coronel feriu o acordo de confidencialidade da delação premiada, ou seja: descumpriu a medida cautelar que o mantinha em liberdade desde o acordo de delação. Na interpretação da PF, o objetivo de Cid era atrapalhar a conclusão das investigações buscando proteger o ex-presidente Jair Bolsonaro. Agora, a suprema corte estuda a possibilidade de romper o acordo com Cid, o que pode fazer com que sua pena não seja reduzida.
No final da audiência de esclarecimentos, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão preventiva de Cid por conta das infrações já mencionadas. Cid chegou a passar mal e ter um princípio de desmaio ao saber da decisão, tendo que ser atendido por brigadistas que estavam no local.
Com isso, a família de Cid entra em alerta, pois pode ser alvo de novas investigações. Seu pai, o general Mauro Lourena Cid, já está sendo alvo de investigações dentro do inquérito das jóias que Bolsonaro tentou se apropriar ilegalmente. o general inclusive realizou uma “selfie” com um dos artefatos que tentava revender. Outra investigada é a esposa de Mauro Cid, Gabriela Cid - ela e outras 16 pessoas são indiciadas pela PF pelo esquema de fraude no cartão de vacinação.
O general Cid declarou que a família está “surpresa e arrasada” com os últimos acontecimentos e que “o pesadelo não termina”. Enquanto isso, as investigações continuam e caberá à suprema corte decidir o destino de Cid. Por enquanto, as declarações são de que os áudios não invalidam o que já foi descoberto até agora, pois Cid apenas “confirmou” fatos que já se sabiam.
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